INTRODUÇÃO AO ESPÍRITO DA LITURGIA ( parte 2 )

por Mons. Guido Marini


Mestre de Cerimônias das Celebrações Litúrgicas do Papa

Proponho focar em alguns aspectos ligados ao espírito da liturgia e refletir sobre eles convosco; na verdade, pretendo abordar um aspecto que vai exigir bastante de mim. Não apenas porque é uma tarefa exigente e complexa falar sobre o espírito da liturgia, mas também porque muitas obras importantes sobre este assunto já foram escritas por autores de alto calibre inquestionável em teologia e liturgia. Penso em duas pessoas em particular dentre muitos: Romano Guardini e o Cardeal Joseph Ratzinger.

Por outro lado, atualmente é mais do que necessário falar sobre o espírito da liturgia, especialmente para nós membros do sacerdócio sagrado. Mais ainda, há uma necessidade urgente de reafirmar o “autêntico” espírito da liturgia, tal como está presente na tradição ininterrupta da Igreja e atestado, em continuidade com o passado, nos ensinamentos mais recentes do Magistério: desde o Concílio Vaticano II até o presente pontificado. Uso a propósito a palavra “continuidade”, uma palavra muito querida pelo nosso atual Santo Padre. Ele tem feito desta palavra o único critério fidedigno pelo qual alguém pode interpretar corretamente a vida da Igreja, e mais especificamente, os documentos conciliares, incluindo todas as reformas propostas contidas ali. E como poderia ser diferente? Poderia alguém falar de uma Igreja do passado e de uma Igreja do futuro como se alguma ruptura histórica no corpo da Igreja tivesse ocorrido? Poderia alguém dizer que a Esposa de Cristo viveu sem a assistência do Espírito Santo em algum período particular do passado, de maneira que sua memória devesse ser apagada, esquecida propositalmente?

Mesmo assim parece às vezes que alguns indivíduos são verdadeiramente partidários de certa forma de pensar que pode se definir justa e propriamente como uma ideologia, ou melhor, uma noção preconcebida aplicada à história da Igreja que não tem nada a ver com a verdadeira fé.

Um exemplo do fruto produzido por essa ideologia enganadora é a distinção recorrente entre a Igreja pré-conciliar e a pós-conciliar. Tal maneira de falar pode ser legítima, mas apenas na condição de que não se entenda com isso duas Igrejas: uma pré-conciliar, que não tem mais nada a dizer ou a dar porque está ultrapassada, e uma segunda, a Igreja pós-conciliar, uma nova realidade nascida do Concílio e, por seu presumido espírito, sem continuidade com o seu passado. Esta maneira de falar e ainda mais, de pensar, não deve ser a nossa. Além de estar incorreta, já está superada e é antiquada, talvez sendo compreensível de um ponto de vista histórico, mas conectada a um período da vida da Igreja agora já concluído.

O que discutimos até agora com respeito a “continuidade” tem alguma coisa a ver com o assunto que nos foi pedido tratar nesta palestra? Sim, completamente. O autêntico espírito da liturgia não habita onde não é abordado com serenidade, deixando de lado todas as polêmicas com respeito ao passado recente ou remoto. A liturgia não pode e não deve ser uma ocasião de conflito entre aqueles que acham bom só o que veio antes de nós e aqueles que, pelo contrário, quase sempre acham ruim o que veio antes. A única atitude que nos permite ater-nos ao autêntico espírito da liturgia, com alegria e apreciação espiritual verdadeira, é considerar a liturgia do presente e do passado da Igreja como o mesmo patrimônio em contínuo desenvolvimento. Em consequência, trata-se de um espírito que temos que receber da Igreja e que não é fruto de nossa própria fabricação. Um espírito, posso acrescentar, que leva ao que é essencial na liturgia, ou, mais precisamente, à oração inspirada e guiada pelo Espírito Santo, em quem Cristo continua a se tornar presente para nós hoje, a emergir em nossas vidas. Na verdade, o espírito da liturgia é a liturgia do Espírito Santo.

Não tenho aqui a pretensão de abordar com profundidade o assunto proposto, nem de tratar todos os diferentes aspectos necessários para um entendimento panorâmico e completo da questão. Limitar-me-ei a discutir apenas uns poucos elementos essenciais à liturgia, especificamente com referência à celebração da Eucaristia, tal como a Igreja os propõe, e da forma como tenho aprendido a aprofundar meu conhecimento a respeito deles nestes dois últimos anos a serviço de nosso Santo Padre, Bento XVI. Ele é um autêntico mestre do espírito da liturgia, seja pelos seus ensinamentos, seja pelo exemplo que dá na celebração dos ritos sagrados.

Se, durante o curso destas reflexões sobre a essência da liturgia, eu apontar certos comportamentos que não considero em completa harmonia com o autêntico espírito da liturgia, farei isso apenas como uma pequena contribuição para fazer este espírito aparecer sempre mais em sua beleza e verdade.

Nós Cristãos,não podemos viver sem a Santa Missa

No século III, o Imperador Galério, numa perseguição feroz contra a Igreja, proibiu todas as manifestações de culto e ordenou que se fechassem todas as igrejas. Ainda assim, os cristãos continuaram a celebrar a Santa Missa secretamente e certa vez os soldados do imperador prenderam 34 homens e 19 mulheres que assistiam à celebração. Compareceram todos a presença do imperador que, ao saber do "crime", mandou que um deles fosse açoitado.
Nisso, uma jovem aproximou-se e disse-lhe:
- Por que você açoitou um de nós. Todos nós somos cristãos. Todos nós estávamos assistindo a Santa Missa. O imperador indignou-se e mandou açoitá-la também.

Em seguida, um senhor mais velho também aproximou-se dele e disse, com dignidade:
-Por que você nos pune? Não somos ladrões nem assassinos. Cumprimos a Lei de Deus
- Não existe outra lei senão a minha- disse o imperador-, perturbado com o domínio e a segurança daquelas pessoas.

As torturas a que foi sujeitando uns e outros não os intimidavam como acendiam mais e mais o zelo e o desejo de serem testemunhas de Cristo.
Aproximou-se ainda outro e disse:
-Eu também sou discipulo de Cristo. Era na minha casa que a Missa estava sendo celebrada.
-E por que você deixou que isso acontecesse conhecendo a minha proibição? disse o imperador
-Por que nós acreditamos que acima da autoridade de César, está a autoridade de Deus. E, além disso, NÓS CRISTÃOS, NÃO PODEMOS VIVER SEM A SANTA MISSA.

Esgotado e com a sensação de fracasso, o imperador ordenou que os encarcerassem e os deixassem morrer de fome. E assim aconteceu; tudo porque "não podiam viver sem a Missa". Que bom seria se também nós pudessemos dizer o mesmo.

fonte: CATECISMO DA SANTA MISSA, Paulo Monteiro Ramalho

Vigília em Preparação à Jornada Mundial da Juventude

No próximo Sábado dia 21/07, iniciamos nossa preparação para a Jornada Mundial da Juventude, esta data marca um ano do início do evento.
 Nossa programação terá início às 19 horas com a Santa Missa na forma extraordinária do Rito Romano celebrada pelo Rev. Pe. José Henrique do Carmo, em seguida à Missa exposição e Adoração ao Santíssimo Sacramento.

SALVE MARIA !!!

Capela Nossa Senhora de Fátima
Av. São João   s/n
Bairro: São João
Jacareí- SP

O papel do orgão na liturgia



No serviço divino a música tem papel fundamental para elevação dos corações a Deus, e para a expressão de contrição, louvor e fé dos cristãos.

A história da música sacra apresenta uma série de compositores e inumeráveis obras da música religiosa que foram inspiradas pelo Espírito Santo. Tanto é que em suas obras o grande Johan Sebastian Bach indicava em suas obras as iniciais "SDG", soli deo gloria (glória somente a Deus); E costumava dizer que sua música era "para a maior glória de Deus e o ensino dos homens".

Bach se dedicou muito a compor para o órgão, considerado o instrumento litúrgico que identifica o cristianismo e a sua música, desde o século XI.

Este belo instrumento tem servido a igreja e inspirado muitos corações há mais de 10 séculos. Muitos estudiosos, teólogos e músicos ao longo do tempo identificam no som do órgão a Vox Dei, ou seja a voz de Deus que fala ao coração dos cristãos. Exatamente pelo que foi dito W.A.Mozart considerou o órgão como o Rei dos Instrumentos. Sabemos de sua importância mesmo no Velho Testamento, quando encontramos em Gênesis a informação de que Jubal era o pai de todos os construtores de órgão e ainda mais no Livro de Salmos a indicação clara de sua função no Culto Divino:

Louvai-o com o tamborim e a dança, louvai-o com instrumentos de cordas e com órgãos. (Salmo 150: 4)

O Silêncio e o Canto

A participação dos fiéis no autêntico espírito da liturgia.
Guido Marini

“Introdução ao espírito da liturgia” é o tema da conferência que o Mestre das celebrações litúrgicas pontifícias pronunciou no dia 14 de Novembro, em Gênova (Itália), a um grupo diocesano de animadores musicais da liturgia. Publicamos alguns trechos da intervenção.

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É urgente reafirmar o autêntico espírito da liturgia, do modo como está presente na ininterrupta tradição da Igreja e tem sido testemunhado, em continuidade com o passado, no magistério mais recente: a partir do Concílio Vaticano II até Bento XVI. Usei a palavra “continuidade”. É um termo querido ao actual Pontífice, que fez dele competentemente o critério para a única interpretação correcta da vida da Igreja e, em particular, dos documentos conciliares, assim como dos propósitos de reforma a todos os níveis neles contidos. E como poderia ser diferente? Porventura, podemos imaginar uma Igreja antes e outra depois, como se tivesse sido produzida uma suspensão na história do corpo eclesial? Ou então, podemos afirmar que a Esposa de Cristo entrou, no passado, num tempo histórico no qual o Espírito não a tenha assistido, de modo que este tempo deva ser quase esquecido ou apagado?

E no entanto, às vezes, algumas pessoas dão a impressão de que aderem àquela que é justo definir como uma verdadeira ideologia, ou seja, uma idéia preconcebida, aplicada à história da Igreja e que nada tem a ver com a fé autêntica.

É fruto dessa ideologia, desviante, por exemplo, a repetida distinção entre Igreja pré-conciliar e Igreja pós-conciliar. Tal linguagem pode até ser legítima, contanto que não se compreendam deste modo duas Igrejas: uma – a pré-conciliar – que nada teria a dizer ou dar porque está irremediavelmente superada; e a outra – a pós-conciliar – que seria uma realidade nova nascida do Concílio e de um seu presumível espírito, em ruptura com o seu passado.

O que se afirmou até agora acerca da “continuidade” tem algo a ver com o tema que fomos chamados a enfrentar? Sim, de maneira absoluta. Porque não pode existir o autêntico espírito da liturgia se não nos aproximarmos dela com ânimo sereno, não polémico acerca do passado, quer remoto quer próximo. A liturgia não pode nem deve ser terreno de conflito entre quem encontra o bem só naquilo que estava antes de nós e quem, ao contrário, no que estava antes encontra quase sempre o mal. Só a disposição para olhar o presente e o passado da liturgia da Igreja como um património único e em desenvolvimento homogéneo pode conduzir-nos a haurir com júbilo e gosto espiritual o autêntico espírito da liturgia. Por conseguinte, é um espírito que devemos receber da Igreja e que não é fruto das nossas invenções. Um espírito, acrescento, que nos leva ao essencial da liturgia, ou melhor, à oração inspirada e guiada pelo Espírito Santo, na qual Cristo continua a vir até nós contemporâneo, a fazer irrupção na nossa vida. Deveras o espírito da liturgia é a liturgia do Espírito.

Na medida em que nos assemelhamos ao autêntico espírito da liturgia, tornamo-nos também capazes de entender quando uma música ou um canto podem pertencer ao património da música litúrgica ou sacra. Noutras palavras, capazes de reconhecer a única música que tem direito de cidadania no rito litúrgico, porque é coerente com o seu espírito autêntico. Então, se no início deste curso falámos sobre o espírito da liturgia, fizemo-lo porque só a partir dele é possível identificar quais são a música e o canto litúrgico.

Em relação ao tema proposto não pretendo ser cabal. Nem tratar todos os temas que seria útil enfrentar para um panorama completo da questão. Limito-me a considerar alguns aspectos da liturgia com referência específica à celebração eucarística, assim como a Igreja os apresenta e do modo como aprendi a aprofundá-los nestes dois anos de serviço ao lado de Bento XVI: um verdadeiro mestre de espírito litúrgico, quer através do seu ensinamento, quer do exemplo da sua celebração.

A participação activa

Os santos celebraram e viveram o acto litúrgico participando concretamente nele. A santidade, como êxito da sua vida, é o testemunho mais bonito de uma participação deveras viva na liturgia da Igreja. Portanto, de modo justo e providencial, o Concílio Vaticano II insistiu muito sobre a necessidade de favorecer uma participação autêntica dos fiéis na celebração dos santos mistérios, no momento em que recordou a chamada universal à santidade. Esta indicação competente encontrou confirmação e relançamento pontuais nos inúmeros documentos sucessivos do magistério até aos nossos dias.

Contudo, nem sempre houve uma compreensão correcta da “participação activa”, da maneira como a Igreja ensina e exorta a vivê-la. Certamente, participa-se activamente inclusive quando se realiza, dentro da celebração litúrgica, o serviço que é próprio a cada um; quando se tem uma compreensão melhor da Palavra de Deus ouvida e da oração recitada; quando se une a própria voz à dos outros no canto coral… Entretanto, tudo isto não significaria participação verdadeiramente activa se não conduzisse à adoração do mistério de salvação em Jesus Cristo morto e ressuscitado por nós: porque só quem adora o mistério, acolhendo-o na própria vida, demonstra ter compreendido o que se está a celebrar e, por conseguinte, ser autenticamente partícipe da graça do acto litúrgico.

A verdadeira acção que se realiza na liturgia é a acção do próprio Deus, a sua obra salvífica em Cristo a nós participada. Esta, entre outras, é a verdadeira novidade da liturgia cristã em relação às outras acções cultuais: o próprio Deus age e realiza o que é essencial, enquanto o homem é chamado a abrir-se à acção de Deus, com a finalidade de permanecer transformado nela. O ponto essencial da participação activa, consequentemente, é que a diferença entre o agir de Deus e o nosso seja superada, que nos possamos tornar um só em Cristo. Eis porque não é possível participar sem adorar. Escutemos ainda um trecho da Sacrosanctum concilium: “É por isso que a Igreja procura, solícita a cuidadosa, que os cristãos não assistam a este mistério de fé como estranhos ou espectadores mudos, mas participem na acção sagrada, consciente, piedosa e activamente, por meio de uma boa compreensão dos ritos e orações; sejam instruídos na Palavra de Deus; se alimentem na mesa do Corpo do Senhor; dêem graças a Deus; aprendam a oferecer-se a si mesmos, ao oferecer juntamente com o sacerdote, que não só pelas mãos dele, a hóstia imaculada; que dias após dia, por Cristo Mediador, progridam na unidade com Deus e entre si, para que finalmente Deus seja tudo em todos” (n. 48).

Em relação a isto, o restante é secundário. Em particular, refiro-me às acções exteriores, não obstante importantes e necessárias, previstas sobretudo durante a Liturgia da Palavra. Cito-as porque se se tornarem o essencial da liturgia e forem reduzidas a um agir genérico, então o autêntico espírito da liturgia ficará subentendido. Consequentemente, a verdadeira educação litúrgica não pode consistir simplesmente na aprendizagem e no exercício de actividades exteriores, mas na introdução à acção essencial, à obra de Deus, ao mistério pascal de Cristo pelo qual se deixar alcançar, envolver e transformar. E não se confunda a realização de gestos externos com o justo envolvimento da corporeidade no acto litúrgico. Sem nada subtrair ao significado e importância do gesto externo que acompanha o acto interior, a Liturgia exige muito mais do corpo humano. De facto, requer o seu total e renovado empenho na quotidianidade da vida. É o que Bento XVI chama “coerência eucarística”. Justamente o exercício pontual e fiel dessa coerência é a expressão mais autêntica da participação inclusive corpórea no acto litúrgico, na acção salvífica de Cristo.

Acrescento ainda. Estamos certos de que a promoção da participação activa consiste em tornar tudo o mais possível e imediatamente compreensível? Será que o ingresso no mistério de Deus às vezes pode ser acompanhado melhor pelo que senibiliza as razões do coração? Em alguns casos, não acontece que se dá um espaço desproporcionado à palavra, maçadora e banalizada, esquecendo que à liturgia pertencem palavra e silêncio, canto e música, imagens, símbolos e gestos? E, porventura, a língua latina, o canto gregoriano e a polifonia sacra não pertencem a esta múltipla linguagem que introduz no centro do mistério e, portanto, na verdadeira participação?

Qual música para a liturgia

Não compete a mim aprofundar o que concerne à música sacra ou litúrgica. Outros, com mais competência, tratarão o temo no decurso dos próximos encontros.

Entretanto, oq eu gostaria de realçar é que a questão da música litúrgica não pode ser considerada independentemente do autêntico espírito da liturgia e, por conseguinte, da teologia litúrgica e da espiritualidade que deriva dela. Então, o que se afirmou – ou seja que a liturgia é um dom de Deus que a Ele nos orienta e que, mediante a adoração, nos permite sair de nós mesmos para nos unir a Ele e aos outros – não só procura fornecer alguns elementos úteis para a compreensão do espírito litúrgico, mas também elementos necessários ao reconhecimento do que música e canto verdadeiramente podem dizer à liturgia da Igreja.

A propósito, permito-me uma breve reflexão orientativa. Poder-se-ia perguntar o motivo pelo qual a Igreja nos seus documentos, mais ou menos recentes, insiste em indicar um determinado tipo de música e de canto como especialmente conformes com a celebração litúrgica. Já o Concílio de Trento inteviera no conflito cultural então em acto, restabelecendo a norma pela qual na música a aderência à Palavra é prioritária, limitando o uso dos instrumentos e indicando uma clara diferença entre música profana e música sacra. Com efeito, a música sacra nunca pode ser entendida como expressão de pura subjectividade. Ela está ancorada nos textos bíblicos ou da tradição, e deve ser celebrada na forma de canto. Em época mais recente, o Papa São Pio X interveio de modo análogo, procurando afastar a música operística da liturgia e indicando o canto gregoriano e a polifonia da época da renovação católica como critério da música litúrgica, para que fosse diferenciada da música religiosa em geral. O Concílio Vaticano II afirmou as mesmas indicações, assim como as intervenções magisteriais mais recentes.

Por que, então, a insistência da Igreja em apresentar as características típicas da música e do canto litúrgico, de tal modo que permaneçam distintos de todas as outras formas musicais? E por que o canto gregoriano como a polifonia sacra clássica resultam ser formas musicais exemplares, à luz das quais continuar hoje a produzir música litúrgica, inclusive popular?

A resposta a esta pergunta está exactamente naquilo que procuramos afirmar a propósito do espírito da liturgia. São precisamente aquelas formas musicais – na sua santidade, bondade e universalidade – que traduzem em notas, melodia e canto o autêntico espírito litúrgico: orientando para a adoração do mistério celebrado, favorecendo uma participação autêntica e integral, ajudando a compreender o sagrado e, portanto, a primazia essencial da acção de Deus em Cristo, permitindo um desenvolvimento musical não desligado da vida da Igreja e da contemplação do seu mistério.

Permiti-me uma última citação de Joseph Ratzinger: “Gandhi evidencia três espaços de vida dos cosmos e mostra como cada um destes três espaços vitais comunica também um modo próprio de ser. No mar vivem os peixes, que se calam. Os animais sobre a terra gritam, mas os pássaros, cujo espaço vital é o céu, cantam. Calar é próprio do mar; gritar, da terra; cantar, do céu. Contudo, o homem participa nos três: ele traz em si a profundidade do mar, o peso da terra e a elevação do céu; por isso são suas também as três propriedades: calar, gritar e cantar. Hoje (…) vemos que ao homem sem transcendência permanece apenas o gritar, porque quer ser só terra e procura fazer tornar-se terra inclusive o céu e a profundidade do mar. A verdadeira liturgia, a liturgia da comunhão dos santos, restitui-lhe a própria totalidade. Ensina-lhe de novo o calar e o cantar, abrindo-lhe a profundidade do mar e ensinando-lhe a voar, a essência do anjo; ao elevar seu coração, faz ressoar de novo nele aquele canto que se tinha quase adormecido. Aliás, podemos dizer até que a verdadeira liturgia se reconhece exactamente pelo facto que nos liberta do agir comum e nos restitui a profundidade e a elevação, o silêncio e o canto. A verdadeira liturgia reconhece-se pelo facto que é cósmica, não sob medida para um grupo. Ela canta com os anjos. Cala-se com a profundidade do universo em expectativa. E assim, redime a terra” (Cantate al Signore um canto nuovo, PP. 153-154)

Concluo. Já há alguns anos, na Igreja fala-se sobre a necessidade de uma renovação litúrgica. De um movimento, de qualquer modo semelhante ao que lançou as bases para a reforma promovida pelo Concílio Vaticano II, que seja capaz de actuar uma reforma da reforma, ou melhor ainda, um passo em frente na compreensão do autêntico espírito litúrgico e da sua celebração: levando a cabo dessa maneira a reforma providencial da liturgia que os Padres conciliares começaram, mas que nem sempre, na actuação prática, encontrou uma realização pontual e satisfatória.


Fonte: L’Osservatore Romano